CARVANAL: João O Ano Inteiro, Morreu Como Luana

Por Paloma C. Mamede - 13/03/2017


Depois do serviço sai com uns amigos para o Bloquinho, estava animado apesar de ficar meio apreensivo já que a Bianca ficou em casa com as crianças, se eu demorasse muito ia logo ouvir uns sermões. Tava quente, muito quente, tinha muito barulho, um barulho bom daqueles que agarram no coração e produz batidas, tum tum tum, para fazer um samba em cada um. Havia também umas gargalhadas espalhadas pelo ar, além da música que deixava tudo mais bonito.

Fora a beleza, havia muita gente amontoada, um empurra aqui, um empurra ali, e muita falta de educação, derrubaram meu copo três vezes, eu já tinha até desistido de tentar beber a Vodka barata que eu tinha comprado. Meus colegas de trabalho fizeram logo uma rodinha para poder comentar das moças e da falta de roupa delas. Eu fiquei meio arisco, até porque eu não via nada de anormal naquilo.

Eu dei umas risadas assim, e fiz umas caras de concordância, até porque eu não queria perder aquelas amizades de aparência, no escritório isso era tudo. Acredite. Daí eu menti, disse que ia dar uma volta assim e ir ao banheiro, mas na real eu fui mesmo olhar os arco-íris da vida longe daquele povo-cinza-funeral. 

Esbarrei numa moça, seu vestido era puro brilho, seus olhos, e corpo também. Pedi desculpas, e como vi que a sua bolsa caiu no chão, peguei e entreguei a ela. Ela sorriu, e disse que estava difícil encontrar gente assim como eu naquele Bloquinho, eu concordei. Ela tinha um sotaque bonito, bem cantarolado e arrastado, perguntei de onde ela vinha, ela disse que de Fortaleza. Fiquei muito instigado em perguntar como era o Carnaval de Fortaleza.

No meio dos sambas, e do funk, no meio do empurra-empurra, um cara quase caiu em cima da moça, que se chamava Luana. Ele não pediu desculpas. Ela fez uma expressão meio de reprovação, seus olhos entristeceram, logo ganhou brilho de novo e percebi que da sua aura emanava algo diferente. Ela puxou o moço e disse: “Olha, quando a gente esbarra em alguém, a gente faz assim...”, logo, depois pegou a mão dele e deu um beijo carinhoso e disse: “desculpa”.

O cara ficou vermelho, roxo, azul... Logo, o seu ego asqueroso veio à tona, sacudiu os ombros, xingou Luana de todas as palavras mais horríveis que existem, daquelas que o povo tem receio até de pôr no dicionário. Olhei as lágrimas caindo do rosto de Luana. Logo, depois ele jogou a moça linda ao chão, e começou a chutá-la. Eu estremeci, e tive medo de entrar na briga, como eu ia explicar a minha esposa que tinha me metido numa briga para defender a moça?

Fiquei sem chão, sem fôlego, e sai gritando, pedindo ajuda, quando eu consegui achar um grupo de policiais meio indiferentes ao caso era tarde demais. E, foi ali que João morreu. João porque o documento de sua bolsa afirmava isso, e porque ela era João em Fortaleza, mas para mim Luana viveu eternamente em todas as minhas lembranças carnavalescas, viveu como a criatura mais melódica e doce no meio da algazarra e asco; da falta de sentimentos do mundo. Hoje em dia, não consigo nem ao menos pular um Carnaval sequer, pois para mim seria o mesmo que pular Carnaval no Cemitério, onde todas as almas rutilam grotescamente a minha falta de coragem, ouço “covarde” por todos os lados, e sei que o adjetivo me cai muito bem.

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